Em entrevista à DW-África,
secretária-executiva da CPLP, fala em agravamento da crise em Bissau, defende
respeito ao Acordo de Conacri e exorta autoridades guineenses a buscar “saída
urgente e duradoura para a crise”.
A Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) está preocupada com os novos episódios que fazem prolongar e
agravar a crise política na Guiné-Bissau e insiste que a solução deve passar
pelo Acordo de Conacri.
Em entrevista exclusiva à DW-África,
a nova secretária-executiva da organização, Maria do Carmo Silveira, reconhece
a pouca visibilidade da CPLP no terreno - em comparação com a Comunidade
Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) -, mas sublinha que a
instituição acompanha a situação, dando a sua contribuição no sentido de se
encontrar uma solução duradoura para a crise que se vive naquele país-membro.
DW-África: É um facto que há falta de
visibilidade da CPLP na crise política da Guiné-Bissau, se compararmos o papel
desempenhado pela CEDEAO?
Maria do Carmo Silveira (MCS): O que nos preocupa, relativamente à situação
da Guiné-Bissau, é o facto dessa crise se prolongar por muito tempo e cada vez
com novos episódios que vêm complicar a situação. É verdade que, no terreno,
estão outras organizações - nomeadamente a CEDEAO - que têm tido uma
intervenção muito mais ativa neste processo de crise da Guiné-Bissau. Mas a
CPLP também está a acompanhar. Tanto é que nós, sempre que possível, fazemo-nos
representar nos encontros onde se debate as questões da Guiné-Bissau e damos a
nossa contribuição no sentido de se encontrar uma solução duradoura.
DW-África: Mas concorda que a
visibilidade da CPLP é pouco influente? Desta forma, como pretende a CPLP
ganhar relevância internacional?
MCS: Eu
acredito que sim. A CPLP, devido às dificuldades financeiras, já teve lá um
representante residente na Guiné-Bissau. Mas, infelizmente, de algum tempo a
esta parte não foi possível manter essa representação. Isto de facto pode
parecer um distanciamento da CPLP relativamente à situação na Guiné-Bissau, mas
não [é].
Estamos atentos, estamos a acompanhar
mesmo à distância. Estamos em concertação permanente com o Grupo P5 [Nações
Unidas, União Africana, CEDEAO, CPLP e União Europeia], que foi instituído para
acompanhar a situação [no país]. Portanto, mesmo à distância, mesmo não tendo
uma representação residente na Guiné-Bissau, a CPLP continua a acompanhar a
situação.
DW-África: A solução da crise passa
necessariamente pela decisão e vontade dos guineenses. Tem alguma informação de
que, a breve trecho, será possível encontrar uma solução viável para a crise na
Guiné-Bissau?
MCS: Infelizmente, os últimos episódios indicam para um
agravamento da situação e os membros do P5 estão em permanente concertação.
Será emitido um comunicado nos
próximos dias do grupo sobre esta questão, manifestando a nossa preocupação e
exortando as autoridades guineenses no sentido de encontrarem uma saída urgente
e duradoura para a crise. E, enfim, nós acreditamos que a saída para a crise
deve passar pelo acordo assinado em Conacri no ano passado.
DW-África: O Brasil assume a
presidência da organização, mas perdeu relevância internacional. Com a saída de
Dilma Rousseff, o país passou a se concentrar mais nos problemas internos.
Voltando à questão da visibilidade, como compensar a retirada do Brasil da cena
internacional?
MCS: A
CPLP é uma organização, tem nove Estados-membros. O Brasil é um membro fundador
de pleno direito e, por sinal, tem agora a presidência pro tempori [em
português, temporariamente] da CPLP.
O que eu posso dizer é que, apesar de
algumas dificuldades internas, que nós conhecemos por que tem passado o Brasil,
nós a nível da CPLP – aliás a última cimeira teve lugar em Brasília – e isso é
a prova de que o Brasil continua atento e presente na CPLP. E ao assumir a
presidência pro tempori é mais um sinal evidente desse
interesse, desse envolvimento do Brasil na CPLP.
DW-África: Falando da relação da CPLP
com as comunidades dos países-membros, há reconhecidamente alguma lacuna. O que
é preciso fazer para que os cidadãos se sintam mais próximos da CPLP? Como
tornar a CPLP uma comunidade relevante para o cidadão?
MCS: A
verdade é o que acaba de dizer: que a CPLP continua a ser pouco conhecida dos
cidadãos. Aqueles que sabem da sua existência, muitas vezes questionam que é
que faz a CPLP em prol dos cidadãos. E este facto é um grande desafio. Tanto é
que a última cimeira também deu orientações precisas nesse sentido, que é preciso
aproximar a CPLP dos cidadãos. É preciso que os Estados-membros se conheçam
melhor para que a CPLP deixe de ser uma superestrutura dos governos e dos
Estados e passe a ser uma comunidade de povos.
Para isso, é preciso que se envolva
as pessoas, é preciso que as pessoas sintam a CPLP no seu dia a dia. E eu daria
particular atenção aos jovens, porque eles é que são o futuro da organização, o
futuro dos países. E é preciso que, ao nível da CPLP, se encontre uma forma
para que os jovens possam interagir entre si, se conhecer entre si, e possam se
rever no projeto da CPLP e assumir-se como tal.
Queremos trabalhar ao nível do Fórum
da Juventude da CPLP nessa perspetiva. Queremos também envolver os media, creio
que têm uma papel muito importante na divulgação daquilo que faz a CPLP, para
que as pessoas acompanhem o dia a dia da CPLP, mas também é preciso que cada
Estado-membro da CPLP assuma esse desafio de fazer com que as pessoas conheçam
a CPLP.
Crise prolongada na Guiné-Bissau preocupa CPLP
DW-África: A propósito da Nova Visão
Estratégica, o que poderá acontecer no plano económico na relação entre os
países da CPLP?
MCS: Acho
que seria um pouco irresponsabilidade da minha parte querer antever, sobretudo
num mundo em que as coisas acontecem de forma tão rápida como hoje. Fazer um
prognóstico para os próximos 20 anos pode ser uma utopia.
A Nova Visão Estratégica foi aprovada
para um período de dez anos e orienta numa aposta particular na cooperação económica
e empresarial, porque reconhece-se a necessidade da CPLP não desvirtuar os
objetivos para que foi criada. A CPLP deve continuar a ser essa organização
baseada na língua comum, que promove a cultura lusófona.
É um espaço de concertação
político-diplomática entre os Estados-membros. É um espaço de cooperação
estratégica. Mas, também olhando para o mundo de hoje e as potencialidades que
representam os países da Comunidade, deve-se também além disso apostar na cooperação
económica e empresarial - até porque quando os países cooperam entre si
economicamente, fica muito mais fácil a cooperação nos outros domínios.
Acredito que sim, este vai ser um rumo necessário
em que a CPLP irá enveredar-se nos próximos anos.
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