Editorial
O Presidente da República, José Mário Vaz abriu, no dia 26 de Junho 2017, pela primeira vez, a possibilidade de convocar eleições legislativas antecipadas, isto é, dissolver o parlamento que está bloqueado há mais de dois anos.
"Se não conseguirmos chegar a uma solução entre nós, eu, como Presidente da República, devolvo o poder ao seu dono e o dono do poder é o povo. Devolvo o poder ao povo da Guiné-Bissau para escolher quem devem escolher", disse.
A comunicação do Presidente não só surpreende pelo facto de ter acontecido no dia da festa dos fiéis muçulmanos, precisamente quando José Mário Vaz chamou ao Palácio líderes muçulmanos para desejar-lhes boas festas, mas também porque veio a contradizer outras garantias que o próprio tinha dado ao povo guineense em como nunca iria dissolver o parlamento.
E, neste particular, José Mário Vaz cumpriu até agora a sua palavra ao ponto de ter demitido os governos de Carlos Correia e de Baciro Djá, salvando a pele do Parlamento que, entretanto, já estava bloqueado. Os dois executivos não conseguiram fazer aprovar no parlamento os respetivos Programas de governação bem como o seus Orçamentos Gerais do Estado.
Num discurso de cerca de 30 minutos, feito numa terça-feira, a 19.04.2016, o Presidente guineense José Mário Vaz fez, de forma implícita, duras criticas ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) acusando-o de ter atitudes de bloqueio ao normal funcionamento do órgão legislativo.
Perante estes cenários José Mário Vaz perguntou aos guineenses "até quando" estariam dispostos a continuar a "assistir impávidos e serenos" que o Governo continuasse a exercer sem que tivesse o seu programa e Orçamento-Geral do Estado aprovados.
Para o chefe de Estado, a "governação não pode continuar dependente de uma única narrativa de um partido formalmente maioritário", sem que o mesmo consiga promover o consenso necessário, disse referindo-se ao PAIGC.
No mesmo discurso no Parlamento, o Presidente disse ser evidente que "algumas entidades políticas" do país pretendiam criar um clima de anarquia no hemiciclo, o que o levaria a ter que dissolver aquele órgão e consequentemente convocar eleições antecipadas, coisa que não TENCIONAVA FAZER, avisou.
Cinco meses depois, ou seja, para sermos mais precisos, a 19 de Agosto de 2016, quando ainda estava em função o governo de Baciro Djá, José Mário Vaz, garantia que enquanto fosse chefe de Estado, o Parlamento nunca será dissolvido. O chefe de Estado fez a declaração à chegada ao aeroporto de Bissau, depois de uma visita de 24 horas ao Sudão, onde, disse que fora encontrar-se com o seu “irmão mais velho”, o Presidente daquele país, Omar Al-Bashir.
Ao responder a uma pergunta do repórter da Rádio Jovem sobre se pensava dissolver o Parlamento já que se assistia a um impasse no órgão, com os principais partidos desavindos quanto à aprovação do programa do Governo, o Presidente afastou essa hipótese de forma categórica:
“Nunca. Nem hoje, nem amanhã, nem nunca. O Parlamento não será dissolvido, a minha preocupação é que haja entendimento entre os guineenses para que tenhamos uma solução para sairmos desta crise”, observou.
José Mário Vaz falava mesmo no salão de honra do aeroporto internacional Osvaldo Vieira de Bissau na presença do presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá, e do então primeiro-ministro, Baciro Djá.
Vários setores políticos guineenses e observadores atentos defendiam a dissolução do Parlamento, competências do chefe de Estado, como única forma para ultrapassar o impasse.
“O Parlamento nunca será dissolvido enquanto eu for Presidente da República”, dissera ainda José Mário Vaz para esclarecer que a crise política que o país vive, não tem nada que ver com a Presidência da República.
Nesta segunda-feira, dia 27, José Mário Vaz determinou um prazo de noventa dias aos atores políticos, até Outubro, para que cheguem a um entendimento para acabar com crise, caso contrário irá dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas, que seria para o mês de Fevereiro do próximo ano, 2018. As eleições legislativas normais que assinalam o fim de uma legislatura e de acordo com a Lei eleitoral da Guiné-Bissau, no caso de não decorrerem da dissolução da Assembleia Nacional Popular devem ser realizadas entre os dias 23 de Outubro e 25 de Novembro do ano correspondente ao termo da legislatura.
Num passado recente ficou provado que logisticamente o país não dispõe de condições para organizar o escrutínio na época das chuvas. Pelo que está completamente fora de questão pensar em eleições antes de Novembro, disseram observadores.
Recordamos aqui um texto sobre o assunto escrito pelo observador e ativista guineense Fernando Casimiro:
Citação - Sr. Presidente da República da Guiné-Bissau, voltamos a questionar se a crise política assente na disfuncionalidade do órgão de soberania que é a Assembleia Nacional Popular e consequentemente, na ilegalidade e ilegitimidade do actual governo, que não foi capaz de apresentar e ver o seu Programa aprovado (apesar do Primeiro-ministro afiançar publicamente que o Programa do governo que lidera seria aprovado fosse de que forma fosse…) é para manter até final da presente legislatura?
Nós que defendemos desde sempre a Constituição e as Leis da República não podemos ficar indiferentes e resignados com a negligência do Sr. Presidente da República que, ao invés de ser o garante da Constituição está a ser o principal promotor da violação da Constituição e das Leis da República da Guiné-Bissau.
Não alertar o Sr. Presidente da República, as vezes que forem necessárias, sobre a sua conduta de violação e desrespeito da Constituição e das Leis da República é ser cúmplice do Sr. Presidente e nós não somos, jamais seremos cúmplices de qualquer poder na Guiné-Bissau.
Como afirmamos e demonstramos desde sempre, não temos, nem defendemos alas nesta crise política, quando é por demais evidente a divisão da nossa sociedade em alas, assentes em compromissos com as alas e não com a Guiné-Bissau, quiçá, com o Interesse Nacional.
Quem defende a Constituição e as Leis da República deve questionar por que temos um Presidente da República, um Parlamento, um Governo e os Tribunais, enquanto órgãos de soberania, pois é por via da Constituição e das Leis da República, e da legalidade democrática, que existem como estruturas do poder político dirigente.
A Constituição e as Leis não servem apenas para legitimar o poder político. Servem também para sancionar e retirar o poder aos políticos e governantes!
O Sr. Presidente da República deve, tem que explicar ao Povo Guineense a razão de manter a actual crise política e, consequentemente, um governo ilegal e ilegítimo, ao invés de insistentemente dizer nos seus “comícios” que o actual governo é para continuar até final da legislatura.
Se o Presidente da República deixou de ser o garante da Constituição da República da Guiné-Bissau então, deixou igualmente de ter suporte constitucional que lhe atribui poderes e competências no exercício das suas funções. É muito importante que tome consciência disso! Fim de citação.
Confira no Decreto Presidencial 09 mais detalhes
Braima Darame
Rádio Jovem
27.06.2017
Rádio Jovem
27.06.2017
Sem comentários:
Enviar um comentário